Um mal silencioso
SÃO PAULO, 17 de setembro de 2021 /PRNewswire/ -- Há quase um ano e meio, a Covid-19 foi projetada para o centro do debate público sobre saúde. O ineditismo e a gravidade da pandemia fizeram dela uma preocupação prioritária para os veículos de imprensa, governos e indivíduos. Toda essa atenção é perfeitamente justificável, mas trouxe consigo um efeito colateral cujas dimensões só começamos a apreender faz pouco tempo: o aumento de mortes por doenças cardiovasculares.
Essas doenças, que incluem o infarto e o acidente vascular cerebral, são a principal causa de morte no Brasil e no mundo. A cada ano, elas matam 400 mil pessoas no país, o que corresponde a quase 28% dos óbitos anuais. É como se houvesse uma segunda pandemia transcorrendo em silêncio, responsável por mais mil mortes diárias.
Com a crise sanitária desencadeada pelo Sars-Cov-2, o sistema nacional de saúde ficou sobrecarregado, e a atenção médica às doenças cardiovasculares passou para o segundo plano. Além disso, muita gente — com medo de arriscar uma infecção por Covid — optou por adiar ou cancelar exames, consultas e internações, e, desse modo, permitiu que a sua condição piorasse até que fosse tarde demais. Em 2020, por exemplo, os exames de dosagem de colesterol LDL — o chamado colesterol "ruim", associado à maior parte desses males — caíram 31% em comparação a 2019.
As consequências dessa negligência involuntária já chamam atenção da comunidade científica. Um estudo recente – elaborado por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), do Hospital Alberto Urquiza Wanderley e da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) – mostrou que as mortes por doenças cardiovasculares cresceram significativamente nas seis capitais estudadas.
O pior índice foi em Manaus: entre março e maio de 2020, esses óbitos aumentaram 132% em comparação ao mesmo período no ano anterior. Os pesquisadores também atestaram um agravamento em Belém (126%), Fortaleza (87%), Recife (71%), Rio de Janeiro (38%) e São Paulo (31%).
Trata-se de um cenário preocupante, uma vez que o diagnóstico precoce é essencial para minimizar a possibilidade de o paciente desenvolver complicações mais graves ou morrer. Num país em que 14 milhões têm alguma doença do coração, postergar ou ignorar o tratamento é um prejuízo sério à saúde pública.
A principal perda causada por esse desvio de foco coletivo, no entanto, tem a ver com comunicação. A maioria das doenças cardiovasculares são evitáveis e podem ser prevenidas por meio de mudanças comportamentais, como ter uma dieta equilibrada, exercitar-se, parar de fumar e não abusar do álcool.
O poder destrutivo dessas doenças não é novidade — elas lideram o ranking mundial de causas de morte há 15 anos consecutivos — mas tampouco dá sinais de diminuição. É fundamental, na medida em que a pandemia arrefece, retomar a discussão sobre prevenção e tratamento na imprensa e na comunidade médica, e endossar políticas públicas que facilitem a condução de uma vida mais saudável. Quanto mais consciência a população tiver da importância disso — com ou sem pandemia — menos gente morrerá sem necessidade.
FABIO SANDOLI DE BRITO JUNIOR
É médico cardiologista e coordenador da Cardiologia Intervencionista do Hospital Sírio-Libanês (HSL)
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FONTE Fábio Sandoli de Brito Jr